Nova York: da arte de flanar o Central Park no outono

Central Park no Outono

As árvores estão ruivas. Deitado sobre o gramado, à margem do Upper West Side, o banho de sol da manhã espreguiça e arrasta a folhagem para os bosques vigiados por arranha-céus. Corpos desbronzeados esparramam-se para todo lado, mas não há mar nem praia; não está quente e nem há muita gente. Há, sim, uma selva avermelhada, cercada de epítomes da arquitetura mundial. Vitorianos, romanos, góticos, renascentistas, espelhados. Todos muitos altos.

Seria asfixiante, mas o silêncio é imperioso e a brisa, despreocupada, dá de comer aos patos. A cosmopolisse afinal engradeou a natureza em um hermético retângulo sem fim, mas, ainda assim, aconchega a alma, agora acompanhada pelos solos de jazz de um sax soprano anônimo. Estou dentro do Central Park, num dia de outono em Nova York.   

A poucos metros do Edifício Dakota, onde Lennon morou nos seus últimos anos de vida, fico me perguntando por quantas vezes John não teria vindo a esmo jogar pedrinha no lago aqui da frente. Por quantas vezes não buscou abrigo de si e do peso do que se tornou para o mundo nesse mesmo jardim antes dos campos de morango cruzarem com os de centeio, na capa ensanguentada do livro de J. D. Salinger, encontrada nas mãos de seu fã e assassino, na calçada aqui do lado, em um outono mais distante.

Central Park Nova York: da arte de flanar o Central Park no outono

O Strawberry Fields Memorial, criado em sua homenagem, é um dos locais mais visitados do parque. Foi construído na área de convivência cotidiana dele e de Yoko, que até pouco tempo ainda morava no mesmo edifício. Um mosaico de pedras em forma de mandala para onde fãs se revezam numa vigília constante de saraus e flores em sua memória. Mas não engrossarei as estatísticas; está fechado à visitação pública devido à Maratona de Nova York.

Adiante, a folhagem seca se espalha pelo chão disposta como uma paleta de cores quentes por onde cruzam esquilos que agora fogem das crianças desgarradas do passeio da escola.  Escola nova-iorquina, daquelas de seriado de TV, em que não se usa uniforme, mas casaquinhos de couro de uma loja cara da Madison Avenue.

“It´s Autumm in New York…” cantava Billy Holiday, com a voz adocicada pelas folhas avermelhadas do chão. A entrada do Museu de História Natural passa despercebida e caminho cruzando pontes e mais pontes sobre os riachos, lagos e jardins. Há pontes por todos os lados no Central Park. De todas escolas estéticas. Um tour de História da Arte. Uma delas leva ao Loeb Boathhouse, um café-restaurante que aluga barcos a remo a seus frequentadores.

Autumn in New York – Billie Holyday

Contornando barquinhos menores, de controle remoto – pilotados da margem por crianças mais adultas -, o barco a remo haverá de vencer agora o vento forte do cair da tarde, que nessa época não só varre as folhas como sacode a marola, afugentando os remadores. O sol, antes morno, esconde-se cada vez mais cedo, resfriando o temperamento dos desavisados. Ocasião oportuna para exercitar a resiliência anglo-saxã, junto a um cremoso chocolate quente degustado sob o por do sol.

“It´s Autumm in New York…” No Conservatory Garden, um mini-complexo de jardins de estilos diversos (há um italiano, um inglês e um francês, lado a lado) é proibido fazer barulho ou praticar exercícios.  Para o deleite do silêncio, o espaço é um complexo de jardins poliglotas reservados tão somente à quietude e à reflexão. Uma agradável contradição novaiorquina, por dizer.

O cochilo e a indiferença das cinco espécies de tartarugas do Turtle Pond aquecem a alma e seus cascos fora d’água, quando caminho em direção ao alto do Belvedere Castle. Hoje o castelo serve de base para medições meteorológicas da cidade. Não à toa, é do Belvedere (Bela Vista em italiano) que se tem a melhor panorâmica dos 341 hectares da área verde incrustada no meio de uma cidade que, como cantam, nunca dorme.  É bastante. De norte a sul, são 10 km. Um alento da natureza numa metrópole que se agigantou pra cima.

Central Park Nova York: da arte de flanar o Central Park no outono

De lá se vê a Bethesda Fountain, locação recorrente do cinema norte-americano que diariamente reúne artistas, músicos, chargistas e dançarinos num dos cenários mais disputados do parque. Lá, Woody Allen, e uma adolescente 40 anos mais jovem, engraçaram-se num passeio de carruagem em direção ao MET (Metropolitan Museum) em “Manhattan”, décadas atrás. Pouco antes de Harry e Sally baterem boca sob as essa mesma sombra. E bem depois dos cabeludos de Hair anunciarem a “Era de Aquários” daqui para o mundo.

Autumn in New York
Why does it seem so inviting?
Autumn in New York
It spells the thrill of first-nighting
Glittering crowds and shimmering clouds
In canyons of steel
They’re making me feel I’m home

It´s Autumn in New York (Vernon Duke, 1934)

É outono em Nova York. A brisa, antes abafada, começa a resfriar, mas ainda é agradável. A multidão de turistas em viagens de férias já se foi. A corrida às compras de natal ainda não começou e o halloween anda a espreita. Canecas da Starbucks voltam a desfilar pelo gramado para aquecer o picnic que  já pode encarar o sol de meio do dia.

Dá-se a impressão de que o Central Park é que está de férias. Da cidade, dos turistas e dos próprios nova-iorquinos.  No outono, ele é dos viajantes descomprometidos, dos poetas anônimos, do passo distraído sem hora marcada, do exercício do ócio do cotidiano na busca dos detalhes discretos e da beleza singela que em qualquer outra época “mais interessante” passariam despercebidos. Tudo isso, sob o riscado ruivo e poético da estação do picnic de jardim na floresta mais cosmopolita do mundo.

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Dicas Práticas

Horário de funcionamento do Central Park

O Central Park está aberto ao público 365 dias ao ano de 6h AM a 1h AM

No coração de Nova York

Na forma de um retângulo vertical, o Central Park está incrustado no meio da ilha de Manhattan. Estende-se, norte a sul, desde a rua 110, no Harlem, até rua 59 (Central Park South). Suas laterais margeiam a badalada 5ª avenida no leste (onde está o Metropolitan Museum e o Guggenheim) e, à oeste, a 8ª avenida (via do Museu de História Natural e do Edifício Dakota).


Quanto Custa

A entrada é gratuita, mas os passeios e as atrações dentro do parque são cobradas à parte.

Quando ir

Apesar da descrição outonal, o parque tem muitas faces. A cada estação do ano uma personalidade. No inverno, se transforma em num point de pistas de patinação, no verão reúne uma série de espetáculos e festivais animadíssimos e na primavera, desvela-se em cores. O que ocorre é que no outono, em particular, a vegetação fica ainda mais bela com a alteração da coloração das folhas, fenômeno que ocorre não só na cidade mas em todos estados americanos nesta região. Além dos benefícios e da tranquilidade da baixa estação o espetáculo visual é um tanto acolhedor e inusitado aos nossos olhos tropicais.

Vale uma pedalada!

Sim! Vale muito à pena pedalar pelo parque também.  O ideal é alugar com antecedência para pagar menos e garantir o passeio. O Central Park tem um percurso demarcado, assim fica fácil, para quem está indo pela primeira vez, pedalar pelo parque inteiro. Mas, como sabemos, americanos adoram regras e, para não ser importunado pelos guardas, será preciso observar algumas delas:

  • É proibido andar de bicicleta fora das ciclovias.
  • Menores de 14 anos são obrigadas a usar capacete.
  • Todas as leis de trânsito valem para o ciclista dentro do parque, inclusive os semáforos.
  • O limite máximo de velocidade de 40km/h.
  • É proibido circular em percursos de pedestres, exceto os caminhos compartilhados marcados em 96 Street e W. 106a-108a Street.
  • Os ciclistas devem andar no sentido anti-horário do parque.

Curiosidades do Central Park

  • Mais de 250 filmes foram filmados no Central Park.
  • Apesar do parque parecer existir em estado natural ele foi  praticamente todo ajardinado
  • Caberiam, aproximadamente, 16 milhões de apartamentos nova-iorquinos dentro do Central Park!
  • O Central Park em Nova York é mantido por uma organização sem fins lucrativos denominada Central Park Conservancy.
  • O parque é maior que o Principado de Mônaco
  • O  valor imobiliário do Central Park, estimado pela corretora Miller Samuel, em 2005, é de aproximadamente U$528,783,552,000.
  • Há 5 quedas d’água artificiais espalhadas pelo parque. A água que corre por elas é potável.
  • Você pode comprar um dos mais de 8700 bancos do parque e colocar uma placa com seu nome nele. Mas, além da burocracia envolvida, teria de gastar uma boa grana para isso. Estima-se mais de 10 mil dólares.

Fotos: Arquivo Canva

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Para além do Central Park, Nova York, claro, oferece outras inúmeras atrações. Não só em Manhattan, mas também em seus outros quatro distritos (Brookling, Queens, Bronkx e State Island). Seguem algumas boas pedidas, abaixo, do Civitatis, espécie de agregador de tours e passeios que costuma a quebrar o galho e oferecer bons descontos.

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Daniel Marinho

Editor do Escriba de Bordo

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